Segredos da Terra

“A mente e a terra encontram-se em um processo constante de erosão: rios mentais derrubam encostas abstratas, ondas cerebrais desgastam rochedos de pensamento, idéias se decompõe em pedras de desconhecimento, e cristalizações conceituais desmoronam em resíduos arenosos de razão”.  Robert Smithson

Para os artistas de terra a galeria era sempre um lugar neutro onde reconsiderar o conjunto de suas experiências. Tudo o que na acidentada topografia da natureza tendia a fluir, desmoronar, desagregar-se, em suma, escapar ao controle do artista e à rigidez das formas, ali por um instante podia respirar, elaborar limites, bordas, contenção. Em outras palavras o conceito, ou a possibilidade sempre instável do sentido.

Diante do desafio de reunir parte de  minha produção para uma primeira mostra individual, não saberia pensar diferente de Smithson: terra aqui é um conceito vulcânico, aponta para a irrupção da matéria desde o plano sutil dos pensamentos até a sua inscrição concreta no gesto que institui as obras. Assim entendida, essa terra fluída e mutável se desdobra nas mais variadas expressões, como as correntes da natureza que ora formam montanhas, a atmosfera, o oceano, ora simplesmente desaguam no corpo do ser.

Estão reunidas tanto obras já realizadas e ainda inéditas como outras mais recentes e aquelas que, fechando o circuito conceitual, foram adequadas especialmente para a mostra, como os vídeos e vídeo-instalações que são parte da pesquisa de mestrado pelo PPGART/UFSM. O que liga essas propostas é o movimento da terra, ora imagem, ora som, ora cor, vazio, afeto, sentido, experiência. Nesse sentido, parece adequado que esse movimento atravesse tantos diferentes suportes sem se fixar, deixando em cada um algo de seu rastro, de resto a tentativa de flagrar a fluidez do mundo por meio da arte.

Antes de tudo, a exposição precisava ressoar a essência desses anos de trabalho, apresentando-se ela mesma como um processo aberto e vivo, expressão de correntes de pensamento e intuição em pleno desenvolvimento e sem objeções conclusivas. De outro modo, seria como admitir que a arte pudesse terminar na moldura da tela pintada ou na parede da vídeo-projeção. Nada mais distante dos fatos, ao menos aqui: como água, reflexo, vidro, éter, terra ou combustão, a arte atravessa o corpo e o corpo redescobre a arte num processo sem começo nem fim, cuja única vocação, talvez, seja a perpétua reinvenção.

 

* Extraído do texto original de apresentação da exposição individual ´Terra”, em setembro de 2016.