Miragens Abstratas (2011-12)

Textos selecionados da produção 2011-12 para ´Miragens Abstratas´, obra em edição.

Ancoradouro

Enquanto a noite se espalha
no fundo do mar, a luz dissolve
a água
em manchas frias.
Hora sem lugar, a razão range os dentes
no silêncio da areia – a lua cai
branca
e fica suspensa  por um fio de luz
que o sol (lá do outro lado, anônimo) adianta
aos juros do dia.
Na neblina
o horizonte se refaz, ninguém no cais,
ninguém mais
virá – os navios partem
sem avisar.

Descaminhos

Nos ruídos do mundo
rumores
que o silêncio esconde. Manta de pó – mármore
à superfície de águas barrentas.

Devagar… devagar… te ouço sussurrar
em pés descalços
pelo caracol da escada… o inverno já vem,
o inverno já vem…

O asfalto molhado, manchas de óleo
e poças de sal – o brilho de um sol que está aí
desde antes de ontem
à espera.

Em nosso silêncio temores – ausência
apressada,
ninguém quer uma solidão confinada,
em reflexos o mundo desfigura.

Mínimo

Mínimo instante – ínfimo átimo
infinitesimal. Já
em si
contém-se e
ao todo – agora. Vez. Zaz.

Oblíquo

Sobre pedras moventes – as solas
quentes dos pés
e a maresia do corpo
suando
reticentes sais: falsos sinais
à ausência
de qualquer horizonte – ondas-sílabas
que vêm
de nenhum lugar
e não retornam.

Sobras de ventos chiam,
crispando as cristas-espumas
de um branco significar – sua indiferença lúcida
às imensas pretensões
do oceano,
ainda longe não se cansa e não pergunta
desse um quê sem margens – animada cauda
oblíqua
ao estômago canino
das paisagens.