Objeto Instável

A série de fotografias entitulada “Livre Arbítrio” é resultado de um diálogo entre suportes. As imagens são captadas em equipamento fotográfico para em seguida serem submetidas a um processo que combina manipulação digital, impressão e colagem. Imagens tomadas ao acaso  ̶  o instantâneo fotográfico  ̶  passam por uma série de seleções, recortes e recombinações a partir dos próprios fragmentos, onde os experimentos  no computador são repetidamente impressos e testados para em seguida retornarem para o ambiente digital. Procedimentos da pintura vêm demarcar a forma final das imagens, onde são privilegiados os vazios espaciais, ritmos e campos de cor, remontando nas unidades e no conjunto da série tanto a simplicidade e repetição minimalistas como a ativação de setores de cor da pintura color field.

Do ponto de vista temático, a série traz uma relativa abstração da figura, buscando desvinculá-la de qualquer obrigatoriedade com a representação da realidade da qual foi extraída. A montagem sob campos de cor, o privilégio das zonas de espaço vazio, as texturas que dialogam com a “tinta ao acaso”, a impregnação e o contraste são alguns dos dispositivos que colaboram para o deslocamento do tema figurado a uma dimensão indeterminada. No limite, são imagens-fotográficas que propositalmente gritam a sua digitalidade por meio da manipulação  ̶  tornada evidente  ̶  levantando questões sobre os processos de construção da imagem nos dias de hoje, sua materialidade e imaterialidade, ao mesmo tempo tomando de empréstimo do legado da pintura abstrata as suas qualidades de composição e cor, onde o ritmo visual dos elementos no espaço é sem dúvida o grande protagonista.

Os trabalhos são apresentados em séries, afirmando o caráter repetitivo das imagens digitais ao mesmo tempo em que assinala a modelização como possibilidade – paradoxal – para a diferença. Impressas em suporte físico e moduladas no espaço umas em relação às outras, criando um conjunto de contornos minimalistas onde a menor parte contém a totalidade, as fotografias se tornam puros objetos visuais, autônomos em relação às imagens que os conformam. O “livre-arbítrio” do título vai afirmar o constante ir e vir entre o conceito e o espaço, entre as possibilidades das cores e das figurações, sua contingência à racionalização e à matéria. O imaterial da imagem digital produz um objeto instável, irredutível ao suporte, amparado entre o olho e a elaboração do pensamento.

Texto produzido a propósito da Mostra Arte + Arte: Visões da Liberdade, realizada pela Associação Riograndense de Artistas Plásticos Francisco Lisboa no Museu de Direitos Humanos do Mercosul, em Porto Alegre, outubro/2014.